Pesquisa
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
You'll be the one screaming out
separadamente.
Não há mais como pisar no piso do quarto
enquanto a pia da cozinha acolhe o sabão
a louça entre suja e limpa
e as mãos,
que as lavam para novamente em seguida
doarem-se ao meu corpo.
Não há mais essa possibilidade
de ter a luz acessa fazendo um contorno outro
que não seja o do meu silêncio,
tudo agora está repleto
de profunda consternação
a poeira resta calada
e essa é nossa opção
estamos juntos, sim
agora sim estamos juntos
agora sim podemos ler
fazer compreender
que isto é um fim.
Cada parte da casa agora agoniza
por atenção
a descarga
o privado do quarto
tudo agoniza e clama
pela minha mão
que não vem,
a luz se apaga
e acendo uma ou
outra
vela
espalhadas
essa é a cor deste momento
esse é o risco de tombando a vela
deitar o fogo sobre o colchão
e acender nisso
um novo sentido
posto assim mais forte
mais veemente
impedindo o pensamento
e emergindo nova mente
mais consistente
pois desejosa
menos temível
pois não há hora
passada ou adiante
não há tempo
que não seja o do instante.
domingo, 26 de outubro de 2008
Uma composição da decomposição
Pela fenda
O ar entra em minha cela.
Pela fresta
O sol queima minha perna.
Pelo canto
Minha vida se desfaz em pranto.
No entanto,
Nada disso é apropriado,
Se não se pode tirar do banho
O poeta. O escravo do próprio
Sonho.
sábado, 25 de outubro de 2008
Gravação - Dia 1
Compras em cima da hora.
Faltam duas fronhas amarelas.
E o roteiro está decupado.
E o microfone,
e o microfone?
Alguém me ouve?
Algúem
Alguém
"Eu sou alguém, tá?"
Sobre ombreiras, polainas e mimeógrafos
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
Busca
Estaríamos buscando algo assim parecido?
Eu buscando algo que não sei. Ela buscando algo morto, a princípio. Desesperei-me por completo, ao ver a sua tenacidade. Ao ver a sua certeza espelhar-se no mais cedo ou mais tarde hei de encontrar minha filha. Como posso então não ser tenaz? Como posso não correr ainda mais e buscar no caminho outra maneira de resistir?
Sinto que entre nós se cruza agora a busca por um sentido. Não saberia dizer em qual dos dois o sentido é possível à pele, a qual dos dois o sentido não importa compreensão, nem lógica. Não saberia dizer. Para mim as coisas extravazaram-se todas e o peito agora está sedento, sede para qualquer outra revolução.
E mesmo assim tão distantes, eu sempre consigo rememorar, com uma dor incondicional, o seu tentar, o seu gritar EU QUERO MINHA FILHA EU QUERO MINHA FILHA
Tempo.
Silêncio.
Se eu pudesse fazer com outro sentido o peso desse absurdo,
se pudesse dizer de outro jeito para você
que ela não está andando
não está em Belém, não está
se eu pudesse dizer que ela apenas voa
agora
você me entenderia
ou isso seria demais para aguentar?
Se eu pudesse seguir sem esse peso
que não é peso de pesar
é peso de compromisso
é selo do amar
Quando criamos algo mais forte
do que é possível compreender
no momento em que você me diz
Eu te amo
e eu respondo eu também
sem perceber
sem se importar
que ali naquele dizer
estávamos sedimentado algo que,
independentemente da sua lápide,
realmente viesse a durar.
Está complicado aguentar
Por segundos é absurdo
é uma distância ( a do t e m p o )
que não se pode definir
que sabemos que vai sempre
por isso preciso disso aqui?
Só para nós, você sabe
Só para o nosso amor
só para a nossa parte
.
Você me escutou naquela mesma noite, quando
terça-feira, 21 de outubro de 2008
Hipoglicemia
Ou quando é preciso morrer para sobreviver.
É preciso viver para começar a morrer. É preciso viver para começar a entender sobre a morte. Eu estou caminhando. Rumo ao morrer. Caminhando rumo ao entender. Acredito, eu sei, que algo sobre isso tudo só entenderei quando morrer. E alguns, eu mesmo diria, poderão dizer, aí então será tarde para entender. Mas, não. Eu devo, agora, dizer. Não há tarde, não há depois ou antes, há somente agora. Presente. O passado morreu, o futuro nunca será. Há esse momento do agora para nele ir me perder, encontrar. Independe. In presente. A lucidez vem a galope porque é preciso estar no presente. É preciso estar. O mundo não dá voltas à toa. Ele dá voltas para perder e encontrar. Para virar noite e dia. Para sofrer e chorar. Perdão. São duplos. São trios. Eu não saberia medir a precisão que me inunda neste segundo. Quando as mãos tremem e o doce desce o corpo inundando-me de salvação e morte.
Não sei porque fui ler coisas antigas. Mas se o mundo dá voltas, e só, dá voltas. Acabei me sentindo impelido, sem pensar nisso, a dar voltas também e voltar. E olhar com delicadeza o que já foi e nunca será. Exceto agora, quando redescubro o passado e confiro a ele a cor madura desse instante. A cor do despetalar. A cor do pêssego ferido, mas gostoso, pela mordida.
São dois casos. Dois sexos. Dois amores. Dois ódios. Dois nomes. Duas inversões. Tento não dar valor a um. Dou somente valor ao outro. Faço descaso de um. E o outro faz então sentido, causa-me sentido, sensório, sensação. Não é tão complexo assim. Eu disse. São dois nomes. Pas-de-deux. Não há paz. Sem terror. Não há vida sem corte. Ou seria, não há morte sem sangue.
Todo esse jogo de palavras é para tentar lançar adiante, avant-garde, a proliferação de sensações (por que o medo de escrever sentidos?) que vocês dois fizeram em mim tendo em vista – custo – a própria pele queimada, a própria face machucada, a próprio amor consumido. Deu-me vontade, neste instante, como tudo agora toma sentido, de enviar a vocês esses pedaços. De calçar uma meia e dormir descalço. De fumar um cigarro. E novamente ter que escovar os dentes.
O açúcar do leite condensado. A granola do cereal maltado. O leito já pelo estômago coagulado. Às 04h50min. Quando a lucidez bate no compasso do coração posto nos trilhos. Eu disse tudo o que preciso. Mas já não quero enviar. O nível de açúcar no sangue apenas pede a cama e a escuridão do quarto para receber o resto de insulina que dentro de mim percorre veias e vasos para, enfim, dentro das células entrarem e distribuir assim a vida pelo o que me mata.
Não é paradoxal. Mas o que é ser paradoxal? Você me fez estudar o clichê. O que é paradoxo? Absurdo. Contra-senso. Disparate. Contradição. Sinônimos são infelizes quando a felicidade é o silêncio. Estou inundado neste momento.
Excertos. Tudo fica mais pesado. E a mulher deseja o peso do corpo do homem. O homem deseja o peso do corpo do homem sobre si. E sob essa insustentável leveza dos seres, sou enfim, estou assim, a mostra. Não para museu ficar-me, não para institucionalizar a minha arte, mas para, enfim, inserir reticências.
Talentoso e disciplinado, sensível e estudioso, intuitivo e investigador, carismático e ácido. Só porque é no tempo que a ironia da vida se manifesta de forma plena e completa! Por horas, por projetos, por eu não admito, por banquete, por companhia, por Companhia, por caos, por brigas, por necessidade, por estudo, por aparência, por espontaneidade, por política, por engajamento, por empolgação, por exemplo, por saudade. Porque o vazio do buraco, que não é buraco há de ser preenchido mesmo que seja pelas primeiras atitudes vãs e no fim parecerá tão inteiro como aquele que não existiu e é aqui que nosso valioso tempo se manifesta de novo, só que agora ao nosso favor!
Obrigado, você, tempo, por passar.
E obrigado, no final (ou meio, independe, agora) das contas, vocês dois. Você, irmão. Você, ela. Não tenho mais vergonhas para dizer o que em mim, hoje enfim, é meu corpo. Meu sangue. Minha condição.
.
domingo, 19 de outubro de 2008
Anonimato
Isso é para provocar
é para se esconder
ou é para quê?
Já não consigo conceber
isso de atirar uma pedra
e em seguida me esconder
deixando o peito ferido
perdido
procurando a direção
do carinho que lhe foi destinado.
Já não consigo conceber
esse desejo que se mata acumulado
sem o mundo conhecer
sem testar a força do grito no ato
sem testar o ar no qual poderia
mas por medo
é incapaz de percorrer.
Me desculpa,
eu também já fui assim
Tinha medo de olhar se a certeza não estivesse dentro do meu bolso.
Tinha medo de atirar se o alvo já não estivesse morto.
Mas hoje, hoje mudou
e eu não posso mais acreditar
no amor holográficono amor holográficono amor holográficono amor holográficono amor holográfico
do amor feito sensação
quase incapaz de ser capturado
Não é questão de se identificar
não é questão de dizer um nome
ou classificar
Pois se assim não é então
eu contradigo estrofes passadas
e caio na cilada
de ver o amor vestindo máscaras
Sumindo
e surgindo
e fantasiando
a possibilidade de um encontro
que ainda é virtual
sem nome
sem ID
Amor sem identidade talvez não possa sobreviver
Talvez vire antes um câncer
que acaba antes por te comer
e assim
Amor não repartido extrapola o peito e só deixa um sorriso
molhado de bílis
regado ao gosto de ferro que há no sangue dessa boca que grita e não se esconde
mas ainda assim
boca que vaga perdida sem te ver no distante
caminho
dos passos
deste dia
.
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Tempo.Momento
e vago me perdendo
versando sobre quem poderia aqui vir me ler.
Num só momento
eu confundo o que é tempo
com o que posso vir a querer,
ter
deter
beijar
matar
morrer.
Essa poesia está suja ou ser suja é seu natural?
Essa escrita foi uncutida ou é habitual?
De antemão
tudo aqui é tão vital
tudo aqui ultrapassa (quase sempre)
a proposta conceitual
mas as rimas insistem
já disse uma vezes
feito lágrimas
precisam existir
insistem
e se modelam
para um dia
- plenas -
cair.
Não sei mais como dizer
seria lindo e pós-dramático
desenhar com o corpo
essa fragmentação do embate
de querer fazer e ser
ao mesmo tempo
que o fazer com o ser
se...
Enfim
eu não vou dizer
minhas palavras imprecisam-se
ao passo que dependo delas
para sobreviver?
Over?
Overoquê?
Que limite me faz dizer que o meu over
está além do(c)éu
ou é demais paraover ser?
DON'T
eu quero tempo
para entender
mas sem pensar
tempo para deixar correr
e nisso, meu bem eu digo
deixar correr pois tudo que corre
corre realmente para o seu morrer.
.
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
The house is white,
...
Eu não sabia que você não estaria
mas mesmo assim dentro de mim acreditei
e duvidei
ao mesmo tempo
desenhando no corpo um tormento
que somente quem é íntimo pode dizer
Você está nervoso!
Eu me pergunto
se estou nervoso
dá para ver?
...
Um pedaço de cabelo no ar
o peito armado
tudo isso para sustentar
o peso do ouro
o brilho de um estorvo criado para em mim
te satisfazer.
...
Manhã que chega após a noite acordada
Para que a urgência para dormir
se já estou acordado
se acordado deverei estar
quando dentro de algum sonho
um recalque da infância vier me dizer
Ame, menino
Ame ou morra
Tudo isso antes do próximo amanhã
ser.
...
Duração
sem vergonha para olhar
agora funciona assim
o seu incômodo é a prova concreta
da minha força
bruta força que força a cerca
ultrapassa os limites
e deixa o que fazer
solto no pasto
feito gado ferido
a machado.
...
Um dia nasceu um gato
pequeno, evidente
mas também doentinho
meio sequëla
gato cuja altivez fora perdida no parto
Então meu avô pegou sua bengala
e com uma mão grudou as perninhas do pequeno viajante
ergueu com a outra a bengala
e a bateu, algumas vezes,
na cabeça do pequeno ensanguentado
Morreram
O gato primeiro
e depois de um tempo
o meu avô.
...
Deixa ventar lá fora
que aqui as janelas estão abertas
deixa o sol nascer irritado
que aqui dentro
meu peito não tem noite nem dia
e sim a sua eterna constante
e feroz
agonia.
...
A última sinceridade que estremece o corpo
e expõe a alma
eu disse antes d'ela dormir
Foi tão sincero
tão sincero
que o tempo me pagou
levando-a de mim.
...
Eu também.
...
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
Sloth quer chocolate
Me diz algo concreto.
Vivemos numa era fragmentada.
Isso. Agora uma sutilidade.
Minhas unhas traficam o mundo.
Jóia. Agora uma sacanagem.
Matei um grilo a pancadas.
Nossa, inventivo. Agora uma coisa que tá na moda.
(Tempo).
Agora uma utilidade, me diz.
Os dedos.
Isso, bem bom. Fala um trecho de uma música.
Ainda que eu falasse...
Basta.
Pq?
Tô hipoglicêmico.
,,,
terça-feira, 14 de outubro de 2008
No dia em que fui mais feliz
Uma mutação genética assolou o planeta
e eu sabia o que pensava você
você sabia o que pensava a buceta.
No dia em que fui mais feliz
O sol desceu à Terra
e torrou cabelos
consumiu a atmosfera
e todos correram
desesperados
atrás de um frigobar
que pudesse conter
os órgãos do seu corpo
desmiolado.
No dia em que fui mais feliz
Eu não fui realmente feliz
porque nesse mesmo dia
eu descobri
que ainda assim
eu terei alguém, que não você
a quem jamé
poderei contar
o que eu enrolo
para aqui escrever.
É tudo mentira.
Ok?
sábado, 11 de outubro de 2008
Poema em pé
a música diz
sabotei o interruptor
as roupas no varal
e eu construindo um novo amor
Sábado
cigarro sujando o corredor
o quarto semi-arrumado
o peito semi-lavado
preciso pôr o cobertor
no sol
preciso de um varal que sustente
toda a sujeira que se esvái
pela água
que ainda é capaz
de limpar-me
todo.
Hoje dançei como nunca
cantei como sempre
mas não fiquei assim
impaciente
estou calmo
manso
pensativo
e mais crente
Nesta semana
mais um ano de morte
e vida
porque as duas se confudem
e não passam de amigos
que se amam tanto
pois por isso
são extremos
conceitos distintos
um é o começo
e o outro o princípio
!
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
Contigo
Um começo não é sempre um fim. Pensou ela sentada num banco estreito no jardim.
Não quer dizer que seja. O quê? Perguntou-se. Confundindo o início com o fim do pensamento, alimentando em ordens imprecisas o tormento daquele momento.
Esperava. Coitada, poderiam dizer. Mas era vida isso que dentro dela desbravava os órgãos, esquentava as partes e fazia coçar o ócio.
Espremia a pele do rosto feito bem-me-quer-mal-me-quer. Querendo acreditar que se o bem a preterisse, talvez tirasse de sabe-se lá onde, mais uma pétala reserva, mais uma cor importante da sua paleta, de seu corpo ali em conserva. De sua faceira maneira de estar ali, pernas cruzadas, sem revelar nada. Exceto a fábrica do coração bombeando bêbada a tarde que começava a escurecer.
Fez esforço para não se perder. Olhou os pássaros, brincou de acender e desligar a luz dos olhos. Depois de um olho só. Depois de só o outro. Entreteve-se como fazem os loucos, que sentam entre o sol e a sombra para não sentir nem frio nem calor somente.
Os pombos passaram. Alguns ali também pararam. O ar ao seu redor era um círculo de atenção. Parece que as plantas todas se viraram para fofocar, Quem é aquela florzinha a esperar? Mal foi a natureza perguntar e já logo o menino veio responder.
É você? Ele perguntou surgindo meio do nada.
Estava ela tão distraída que nem sequer escutou. Ficou olhando como se o som ouvido fosse o de algum pássaro ou bicho ali perdido..
É você, não é? Ele insistiu ainda em pé.
Sou eu, Valentina.
Então é você, aquela menina?
Sou essa sim. Sou essa aqui, disse empurrando-se para o lado do banco e abrindo espaço ao seu lado para o menino meio pálido de tão branco.
Sentou-se. Ela dentro de si se demolia. Não sabia se fingia coçar o rosto para limpar aquela espinha. Sentiu-se toda oleosa, coisa que talvez ele sequer fosse perceber, pois tremia tanto e tanto, que só conseguia ser grosso mal a boca abrisse para algo...
Eu posso te beijar?
Não é assim, ela iria dizer. Mas como era talvez fosse o que deveria primeiro responder. Seu nome é aquele?
Não. É apelido.
Então qual é?
Sobre o que te pedi?
Sobre o seu nome, querido.
As flores viraram todas para o outro lado. O ar pesou e ao contrário do combinado, ela ali insistia por algo além do planejado. Era um encontro safado, como ousava pensar. Era ir, se afastar dos olhares e encostar os rostos e calores sem alarde. Ele bem que tentou, falando em beijo e algo assim. Mas ela confundia-se no que poderia ser um início ou já um fim.
Olhe para mim, pediu.
O que você tá querendo?
Quero te ver primeiro.
E aí?
Prazer.
Tá me testando pra ver se vale a pena me beijar?
Não, talvez.
Pode dizer. Isso é normal. Sorte a minha ter gostado de você.
Sabe meu nome?
Qual?
Eu acabei de dizer.
Disse?
Disse.
Disse... Eu sei... Você sabe o meu?
Você não se apresentou.
Sou o Danilo.
Isso é um bom nome de menino.
Ainda bem, não?
Não sei...
O quê?
Lembrou?
Você vai se ofender?
Valentina.
Pronto.
Obrigado, Valentina.
De nada, Camilo.
Avançou do banco rumo ao espaço daquilo. Ele atrás meio contrariado, sentindo-se bobo e manipulado. Seguiu a menina e rumo ao mato foi ligeiro. Ela estava o levando para onde, perguntou-se. Ela, porém não soube responder para si o que a fizera entrar naquele caminho. Sempre brincara no jardim, no zoológico, mas entrar assim após tanto tempo sem ali voltar. Saberia se preciso retornar?
Tem muito mato nesse lugar.
É uma floresta.
Era de se esperar. Ele disse tentando tapear a confusão do momento.
Aqui está bom.
Mas ainda é cedo.
O quê?
Alguém pode nos ver.
Melhor que seja uma pessoa do que uma coruja, não acha?
Melhor que ninguém nos veja?
Por quê?
Você não está envergonhada?
Você está.
Não é por você.
É claro que não.
É que eu sempre fico nervoso. É difícil não ficar.
Estamos aqui porque queríamos um beijo.
Eu ainda quero, disse o menino todo se fazendo de sincero.
Então... Não temos nada contra. Tudo nos leva ao beijo.
Eu posso?
Pode o que, menino?
Danilo.
Camilo.
Você é engraçada.
Eu não sou nada exceto isso.
Ela quem o beijou. Foi tudo de supetão. Ai como foi doce, como foi especial. Como as bocas se encontraram em comunhão descomunal. Tudo era perfeito. A natureza espreitava com todo o respeito. Tudo foi perfeito, porque havia nos dois um simples desejo. Experimentar. Beijaram-se e não quiseram nunca acabar. Sabiam, no fundo, que desligada a tomada, tudo o que viesse depois seria conformado. Sabiam que se o pacto ali rompesse tudo depois seria mexido, seria quase tudo adaptado.
Então por isso e mais algumas coisas que no corpo reivindicaram espaço, enfim, os dois nunca mais se soltaram. Achei prudente, porém, ceder-lhes este espaço, essa voz. Afinal, sempre que por ali eu passo, eu vejo um sobre o outro, como se o medo de se perder fizesse ainda mais um a outro ir se prender.
Os pombos passaram. As flores enjoaram e vieram outras gerações. As mães preocupadas porque desde cedo as pequenas pétalas já viam pela janela de casa aquilo ali feito programa de tv. Desde cedo as flores sabiam como desabrochar. Era ir treinando o momento de virar gente grande e doar-se a outro ser. Feito é com o beijo. Num ir e vir com meio termo. Num embrulhar e rasgar o embrulho por inteiro, mas sem nunca mostrar por completo o que gostaríamos de ter escondido ali dentro. Tudo escondido para ter o prazer de se revelar.
Fim.