Só falarei novamente sobre arte, sobre o que tanto estudo, se tiver diante de mim corpos saltantes experimentando tudo.
Corpos em atualização. Tudo lido agora é repassado ao corpo. Corpo agora será escravo desse perverso jogo dos conceitos e classificações.
Se não puder beber nem comer com meus atores. Se não puder eu ser o autor nem eu o ator ou diretor ou sequer estar com a lanterna na mão, enfim, prefiro então estar dormindo. Sonhando, pensando estar livre e isento.
E foda-se agora se não tiver ninguém ouvindo. Eu me faço escutar na próxima esquina. Eu me faço escutar nas paredes tingidas do meu quarto.
Decidido. Não vou revogar.
Arte agora só em comprimido. Arte agora só por injeção ou contaminação. Será dada ao corpo inteiro. Não mais às partes sequer a uma só mão.
Arte agora tragando tudo e não somente a tirar o sossego dos cabelos – eternamente revolvidos – quero ver arte agora tirando o sossego das pernas e criando no desajuste um novo ritmo preciso.
Nenhuma história está isenta da vida. A primeira vez que os vi, era mais ou menos aquilo que vivia no decorrer dos meus dias. Eles ali não sabiam, mas eram a figuração do meu instante. A representação da minha agonia. Isentos, sim, talvez. Mas eram como ainda são, tudo aquilo que em vida eu sustentei. E talvez, sim, por esta mesma capacidade de isenção, o que hoje eles se tornaram ultrapassa a minha condição e transformam em vida também a ação dos verbos. Eles juntos um ao outro transformaram em vida o que num papel se poderia dizer apenas palavras.
Por onde começo é por onde eu os tive, na primeira vez. E a primeira vez foi um escape, um escorregão. Eles passaram por mim e o que detive, apenas, foi a mistura dos perfumes. O dela amenizando a rudeza do outro. Um ao outro competindo, como se no ar da rua em movimento não houvesse espaço suficiente para os dois sediar. Dobraram a esquina mais próxima e entraram numa porta velha de madeira azulada. Dali em diante, esperei. Não posso dizer ter havido existência entre os dois. Não posso dizer nada pois não fora convidado nesta primeira vez. Ali fora, apenas esperei. Até que já era muito noite quando ela saiu, carregando o par de salto arrebentado nas mãos. Ele vindo atrás. Os perfumes não se gladiavam mais, pois eram um só.
Um cheiro ocre tomou conta da rua. O movimento cessara. Os carros todos morreram, ninguém passava. Eu apenas eu os vi cruzando a passos rápidos e distintos. Entraram no carro preto, de faróis apagados e seguiram indo. Sempre indo. Eu sempre atrás. A noite começava mas já era tarde demais. Eles seguindo para onde eu não poderia prever. Eles ainda não me possuiam. A sua virtude era essa independente condição. Para onde fossem eu deveria me lançar. Como se não permitisse a mim mesmo perder o segundo em que estagnado o carro, eles misturariam novamente os perfurmes. Assim, no meio de uma rua escura qualquer, com o farol apagado, os corpos dentro se batendo. O cheiro de um no outro se cancelado. E algo entre eles se eternizando.
A sensação do vinagre correndo a pele é inevitável. E no caminho, envolvido pela poeira no ar, sinto o vinagre fermentando tudo aquilo que em mim faz repouso. Nenhum segundo é seguro em meu corpo. Sempre se dá nele uma transformação um desejo uma busca pelo todo. Busca irrompendo mal se dá - no corpo - um qualquer toque.
Inevitável, eu devo dizer. Como se residisse em mim uma poeira capaz de germinar. E sendo ela assim lavada, lavrada, lançada pelo corpo adiante, tudo em mim fica maior do que é grande. Tudo em mim fermenta e o espaço do corpo se lança ao espaço porque o corpo em si não se sustenta. É dessa sensação que eu estou tentando. É essa privação - do corpo sobre ele mesmo - na qual estou lutando.
Não precisa dizer nada. Não precisa ler. Não precisa - tentar - entender. Tudo é assim desnecessário. Como se uma pulsão de morte rompesse de dentro, vinda de cada pedaço, aniquilando na sua passagem o esforço pelo todo, pelo contato. Pelo amor. Uma pulsão consome vindo de dentro e o que eu sou, o corpo que formei, tudo isso independe porque a força que cavalga interiores é maior, mais grosseira ainda do que se pode detectar nos verbos.
Toca a poeira em minha pele. Desce o suor ácido de cor vinagre. Fermenta em mim sua casa cria em mim sua nave e decole, faça o corpo decolar, buscando no espaço o que nele mesmo é impossível encontrar, porque desejo - desejo - não se fecha em si mesmo. Desejo, amor, essas coisas não se completam, pois aniquilam-se - sempre - para ter que fazer amor novamente, para ter que juntar pedaço e colar ingredientes. Sempre.
"Tudo explode. A desesperança não é um diálogo triste, mas sim o estalo de um silêncio ensurdecedor"
A complexidade do assunto por vezes me distancia. Não para melhor analisar o processo, mas por medo, de ser tragado pela impossibilidade de compreensão. Tem a ver com isso lidar/falar/fazer a tal arte. O que ela é o que pode ser tudo parece pouco diante de sua inata complexidão.
Hoje eu pensei um pouco sobre o que quero fazer com ela em você. Sobre qual o sentido externado quando eu jogo diante de seus olhos uma série de movimentos e verbos. Nada me pareceu muito claro, porém, sustento ainda a percepção do sincero. O que desejo causar em ti não pode vir por outros meios que não sejam estes - modos - todos sinceros.
Todos modos cavalgados através da pele.
A forma, o sentido, o conteúdo, as camadas. Estou tentando o incapaz. Estou buscando o impossível. A arte tem, aos poucos, esse gosto do inexprimível. E por isso tudo é tão difícil pois o desejo nunca é completo. O desejo nunca é saciado ele sempre pressupõe na frente um resto. O resto, do contrário, faz parte dessa equação. Resto aqui não é lixo, lixo aqui é pura ostentação, do retirar da mesa as migalhas restantes e convertê-las em estrelas, mesmo num céu inoperante.
Confusão de valores, extravazamento. Essa palavra que não acaba, que em si mesma se abala, extravazamento. Uma profusão sem fim de estupros: arte deve assim ser. Não é seguro. Toca na anã imensidão dos meus desejos. Toca e subverte todo meu arsenal de gracejos e eu nunca sou amante o suficiente para através dela te falar de amor.
Corpo torce e retorce. Mas não vejo. Numa busca infelizmente já não encontrada, fazer arte é tombar o próprio lanche no meio do recreio. E ver nas outras crianças o lanche ser comido. Ver no vizinho a impossibilidade sua se concretizando, se discernindo. O complexo está em você.
Em você é sempre mais difícil. Em você é sempre do impossível ao infinito. Os termos nunca definem, em arte todos os termos extrapolam conceitos e transformam a vida em circo-insegurança em corda não mais que unicamente corda-bamba. .
talvez faltasse ar o que AS movem que tesão é que cruza dor essa que não fechar agora não reverter versos que eram um todo agora foram por mim separados desejos que começam no parque se tivesse um do rosado ganham tinto inebriado que nem sei se prezo mais toda afirmação é dúvida fechar nem sempre ajuda eu que movo A de se dizer eternamente se tivesse iria me portar qual conceito explica esse requerimento que faço em partes a tudo o que ao meu redor transpira não mais interrogações o branco do vazio toda palavra se exclama-se sozinha não precisamos de mais pontos porque um ponto nunca cessa não nada eu salto a linha o sangue por completo ou agora são pequenas agonias de um pai autoritário? se eu quisesse. pleno amante não o branco revela o galopar não encontrar revela se quiser posso eternamente que foi que eu fiz comigo exceto a ordem dos fatores altera o resultado? um amor importar ia não estivesse em mim eu se eu um amor o corpo precisa o cansaço talvez não me fosse suportar tivesse quem fosse reconhecer amor que não se eu tivesse se eu talvez me trasmutar quer mais dizer talvez ser sempre sedento para torná-lo sede do meu próprio esquecimento se eu não quer dizer não tenho anula em mim os princípios deixaram de transpirar a agonia do poema originário? começam a crescer .
despenca do céu volta correndo para casa transforma a ladeira em rampa escorregadia torna esguia a quina de cada esquina e me faça me bastar me conter não descer nem boiar na primeira poça que me venha a oferecer um agrado um reflexo mexido um cigarro, que seja.
...
gilete espuma para barbear espelho água corrente barba mãos sabonete olho fixo no cortar aparando sem fim recortando de mim eu passo a gilete e retiro além de um pedaço da sobrancela também a tampa de uma das orelhas.
silêncio para esperar a dor chegar.
demora.
é preciso lavar, ardeu!
agora não vai parar:
escorre sangue descendo entrando pelos ouvidos me tingindo a vermelho e tornando as suas palavras mais agudas do que são.
...
tentativas eu mudo o que você fala eu mudo o que eu falaria o que sou se posso ser qualquer coisa e você quem será se você é antes necessariamente o meu par
eu sequer vou interrogar porque tudo aqui transpira dúvida tudo azucrina feito o besouro negro imenso que vez ou outra entra pela janela do meu quarto e me repele ao canto sem mobília.
...
eu estava pensando o que eu escrevo não precisa ser necessariamente o que eu leio ao me deparar com o filho feito,
eu digo,
nem tudo aqui precisa sair da minha boca pode sair de outro buraco outro orifício pode ser merda sé o que você está pensando mas pode ser outro cheiro o escoar de uma ferida pode ser o que ouvi ou o que vi naquele dia naquela mesma esquina quando eu passava num óculos escuro e precisei tirá-los para ver a agressão das cores que só em você parecem andar em compasso,
...
às vezes eu minto e mentir, independente do que dizem é também uma possiblidade.
...
eu molho o braço na chuva e tudo o que eu sinto em seguida são palavras germinando.
eu meto a testa no vento e o que segue é cegueira plena são os desenhos na mente indo e voltando.
o altruísmo me encanta mas a solidão é o próprio fascínio, fadado em mim eu vejo o que não necessariamente eu preciso compartilhar com tigos. .
o apartamento pintado a gelo nele os dois são apenas dois ali largados, na decisão prorrogada também pelo peso da estante rachada. quem os ouviria, o que pensar? não podem apenas os livros separar como era no início quando achavam só livros ser e agora quando já não sabem se comunicar pois dizem o mesmo sem se perceber, eis que um ao outro torna flama onde tudo agora entorno é chama.
A imensidão de filhos que eu criei, meu Deus. Só mesmo agora o tom celeste pode de mim se aproximar. Meu desespero sobrehumano, meu desejo tenaz, olha onde me fizeram chegar. Não vou delatar sequer um deles. É doença incapaz de se curar. Não porque talvez não houvesse cura, é que o problema está no corpo. E este corpo já não se pode manipular. As costas se envergaram de tal maneira que fazem o corpo por ele mesmo se apaixonar. O corpo cheira a sexo. O desejo nele é complexo. Não quer sair de si. Quase não deixa outro alguém entrar. Por isso não vale dizer sobre os filhos. Porque são todos frutos do desalinho, filhos reconhecíveis, mas provavelmente um tanto perdidos nesse ninho. Se alguém pudesse me ajudar. Se alguém dissesse outra coisa que não o despeito o sem jeito a ignorância do não poder compartilhar comigo a fixação dos meus dias. Não quero mudar o mundo! Não quero fundar a revolução! Não detenho nenhuma verdade! Que ódio que me corrói quando dizem o que eu faço sem sequer olhar meus olhos. Não quero pretensões. É só que minha vista vê fantasmas. E você não. Não é diferencial nem sequer original. Se tento dizer que não é nada disso, no dizer faço outros contornos e quando eu vejo o meu medo virou outro e o objetivo partiu sem me avisar, tudo distancia, quanto mais longe mais longe eu vou me achar. É uma solidão delicada, diferente. Não tem a ver necessariamente com alguém que não esteja mais aqui. A casa ontem estava cheia mas estive só por toda a noite. Essas são minhas perguntas sem resposta. São minhas curas para doenças que sequer existem. Esse é o meu horizonte, cravado no meu umbigo. E entre nós, uma ponte de aço-eterno desenha em milhômetros de distância, o meu paraíso.
uma data ultrapassada um tempo vivido uma vida despreparada mas indo tentando cavando a própria fundação hoje tempo sem futuro sem passado sem dimensão eu revolvo ao que fui e me encontro hoje na mesma posição é poesia então assassinato do tempo? é dela ele alheio, como se nada dito tivesse peso exceto no agora eterno de sua descoberta? pois hoje assim como em 2006 uma curta composição do que ontemfui eu hoje eu sou.
o dia anoitece
a noite já está se acabando e eu,
no entanto, teimo em escrever.
eu lutando contra o sono
contra as minhas palavras
eu contra o meu estado de
abandono.
a noite se consome e eu aqui,
apenas observo a harmonia
através da qual, espero,
passará a noite e chegará o dia.
troca-se o escuro pela luz.
substitui-se ânimos cansados
por outros mais jovens e eu,
no entanto, escrevo como se
soubesse o intento desse
meu estranho hábito.
preciso de um motivo que assegure
essa vontade passageira?
preciso de algo mais, além das teclas,
da tela clara e da caneca cheia?
preciso. e eu sei disso, mas
a dura constatação do saber
não me oferece outro sentimento
senão o vil engenho de me auto-moer.
preciso, estipulo todas as medidas.
todas as doses para que no final da mistura
só me reste a vida. independentemente
se quando isso ocorrer, for noite ou dia.
.
eu volto a questionar tudo isso aqui já não é novo é um sem fim sem terminar
desde então eu escrevo buscando o inatingível nada é novo realmente
tudo sempre passa pelo princípio e ele é minha certeza
a certeza de que sempre haverá a possibilidade de reescrever o que eu sempre
nunca
serei capaz de compreender.
lembrança
todo poeta tem um poema chamado infância, mas isso afasta tanta coisa.
porque sobre as linhas não cabe toda a cor, sequer todo o suor, risada e dor.
não cabe as peças dos brinquedos mais animados
brinquedos especiais sempre amados
as rodas das várias bicicleta, os cortes nos dedos
e o sangue! tanto sangue pintaria o prédio dos bombeiros.
não cabe não por falta de espaço
pois escreve-se o que deseja, sem esperar aprovação ou o efeito do agrado.
mas porque a infância não usa
moldes, potes, redutos nem arestas.
ela é eterna.
em suas faltas.
em suas presenças.
infância lembrança eterna
que no decorrer da vida
sempre, sempre nos altera.
sobre um poema não há muito espaço.
talvez, sob ele, o mundo seja até escasso.
mas, enfim, o que está por baixo talvez
não exista para ser encontrado.
ou quem sabe, até mesmo
exista para ser revelado
mas aos poucos, com cuidado
como a infância se refaz
em nosso corpo, mente,
olfato.
aos poucos,
com cuidado, eu digo!
sinto de novo um cheiro
a textura fictícia entre meus dedos
bem devagar relembro um jogo
que um dia não parava de fazê-lo.
valor incerto tão quanto incalculável.
amor confesso “o dia está claro!
ainda está claro!”
lembranças perdidas
mas que sozinhas
preenchem um
todo um vagão.
histórias implícitas
em toda pele, em cada estigma
em todo canto, em cada esquina
emaranhadas naquilo que sou
no que seria quando crescesse.
memórias, enfim
que ressurgem no meio da noite
num sonho como um super-herói
numa música imagem colante
lembranças para a vida toda
em doses homeopáticas
pois todos querem que sejamos
homens
antes mesmo que a infância
parta, para seguir aos pedaços
a sua longa e eterna jornada.
.
outra composição que foi mas ainda hoje persiste
como se dela eu retirasse palavras e de cada uma delas
fizesse outras linhas
e cada uma multiplica ao infinito
e nunca haverá fim
a poesia é sempre o início de uma história sem fim
sem mim independe o autor ela segue é tenaz ela tenta desvendar o amor
a blanchot, que me ajuda a desvendar o eterno em que me lançei.